Trabalho de investigação jornalística de Carlos Soares
«Ai de ti se abres a boca para dizeres quem foi!» Foi assim que José Francisco Varela, mais conhecido por Zé Serralha, se dirigiu ao padeiro da Padaria do Álvaro da Costa, única testemunha do feito, quando, em 1957, foi visto pela noite dentro a pintar as famosas frases na avenida junto à Igreja Matriz.
A sua afilhada Maria Isabel, hoje com 62 anos de idade, confirmou o que já se dizia só entre os amigos mais chegados. «Quando se encontrava já muito doente, com os seus 83 anos, chamou-me e disse-me: «fui eu que escrevi as frases no alcatrão». Faleceu com 85 anos a 5 de Setembro de 2003 e deixou saudades em todos aqueles que conviveram com ele. «Era amigo dos seus amigos» disse Maria Isabel. Um deles, o Sr. Flores, escreveu a 20 de Abril de 1958, na inauguração do Café-Restaurante Barrete Verde, um poema que representava bem quem Zé Serralha era: «Todo aquele que nasceu, viveu e morreu e nunca teve um amigo, nasceu, morreu e nunca viveu. Bem-haja José Serralha Varela que tantos amigos tem sabido cativar».
Maria Isabel lembra-se de muitas histórias do seu padrinho e em criança, segundo a sua afilhada, ele já revelava uma personalidade muito forte. Um dia, tinha ele 7 anos de idade, foi chamado para fazer um recado e, como estava na Igreja a ajudar o padre a cortar as hóstias, chegou atrasado. Quando a mãe o repreendeu, retorquiu «Cale-se lá senhora, estive a comer as migalhas de Nosso Senhor». (ri)
Lembra-se também de que quando frequentava a casa do padrinho, já adulto e casado com Joaquina Varela, esta pedia-lhe segredo por causa dos livros proibidos que tinha em casa. José Serralha lia Lenine e Karl Marx e chegaram a chamar-lhe comunista, mas era, acima de tudo, afirma a afilhada, uma pessoa sem partido nem religião, um contestatário que os donos das marinhas temiam. «Não o queriam a trabalhar nas marinhas porque ele incentivava os homens a protestarem contra as injustiças de um trabalho duro».
Sempre contestatário, chegou a festejar a morte do ditador António de Oliveira Salazar, em 27 de Julho de 1970, lançando um foguete pela chaminé de sua casa. Disse Maria Isabel: «mal se ouviu o foguete, a polícia andou pelas ruas à procura do autor e ele cá fora, a observar» (ri)
Homem empreendedor, não se ficou pelo trabalho nas marinhas a carregar sal, queria muito mais. Em 1957, tinha já uma pastelaria, a Leitaria Ideal, na Praça do Largo; em 1958 abriu o Café-Restaurante Barrete Verde e mais tarde foi dirigente do Grupo Desportivo.
Maria Isabel lembra-se também de que, em 1957, durante a greve dos salineiros, o irmão do Zé Serralha, Frederico Serralha Varela, foi preso durante as Festas do Barrete Verde, e levado para o Aljube. Aí foi isolado e torturado para que revelasse quem tinha sido o autor das frases. A P.I.D.E nunca soube de nada porque nem o irmão sabia quem tinha sido o escritor clandestino das famosas frases escritas no alcatrão em 1957, que levaram muitos salineiros a aderir à greve.
Entrevista realizada por Carlos Soares para o Jornal de Alcochete, em 2008
Nota: Quando esta entrevista foi feita o novo acordo ortográfico ainda não tinha sido aprovado.
Todas as fotografias foram amavelmente cedidas por D. Maria Isabel