Trabalho de investigação jornalística de Carlos Soares
Filme histórico do espólio do Museu Municipal de Alcochete cedido para a peça de teatro o Sal Negro em 2008.
Em 1993 fui colocado na Escola C+S de Alcochete. Era assim que se chamava. Ia com a grande vontade de criar um Clube de Teatro e foi assim que nasceu o primeiro projecto com o objetivo de promover, em Alcochete, a educação pela arte. Nasceu assim o Gilteatro com um pequeno grupo de alunos e alunas com vontade de fazer teatro e de fazer a diferença no meio escolar. Falava-se muito, na altura, em fazer pontes com a comunidade e fomos para o exterior conhecer a história da História e foi assim que chegámos ao salineiro Aníbal de Figueiredo. Foi assim que nasceu a peça de teatro A Revolta dos Salineiros. Foi assim que percebemos a força destes homens e que, no mais humilde coração, encontramos a força das palavras e da verdade contada na primeira pessoa. Abril, que comemorámos e comemoramos, não foi só dos capitães de Abril foi também destes homens de coragem que fizeram frente às agruras da vida e à opressão, durante a ditadura de Salazar.
Da vida para o Palco… Memória do Sal
Muito antes da estreia da peça a Revolta dos Salineiros resolvemos saber mais sobre os aspectos importantes da vida destes homens de coragem. Decidimos entrevistar um velho salineiro que nos relatou aspectos relevantes da sua vida. Se queres saber mais…aqui vai!
Humilhação permanente.
Clube de Teatro- Como era a vida do salineiro.
Aníbal Figueiredo-Desumana. Razão pela qual lutámos para que os jovens de hoje não passem por aquilo que nós, naquele tempo, passámos.
CT-Sofreram muito?
A.F- Foram tempos em que a população de Alcochete-que trabalhava no sal , mas não só-foi muito sacrificada.
C.T-Como era o dia-a-dia do salineiro?
A.F-Era feito sobretudo de humilhação. Permanentemente. Levantávamo-nos às 4 da madrugada depois seguíamos para os carregos onde os encarregados (Ao serviço dos patrões) atiravam senhas ao ar e caírem no chão só os homens que as conseguiam apanhar é que , nesse dia, tinham direito à canastra para carregar o sal. A angústia de não conseguir a senha da canastra e ficar a ver os outros a trabalhar ficará para sempre gravada dentro de nós.
C.T-Foi sempre assim?
A.F- Mais tarde a humilhação das senhas acabou e começamos a ser chamados pela Casa do Povo. Havia uma sirene que tocava e íamos todos ver a escala de trabalho. Mas o trabalho não chegava para todos. A escala era feita pela Casa do Povo e todos os sócios desse organismo estavam incluídos nesta escala, que era rotativa, ou seja quando chegava ao fim voltava ao princípio.
C.T- Como se efectuavam os carregos?
A.F- O sal descarregava-se nos muros onde estavam as serras. Os barcos-faluas, batelões, lanchas-encostavam e 50 homens despejavam neles as canastras, pesadas, cheias de sal. Ainda me lembro dos nomes desses barcos: o Arruça, o Gaidense… Às vezes caminhávamos 30 Km e quando lá chegávamos não havia barcos, porque as condições atmosféricas não permitiam que eles encostassem. Nesses dias não nos pagavam… e passávamos fome.
C.T-Quantos carregos faziam?
A.F-O sal das serras era contado. Íamos buscá-lo ao pé do rio e carregávamos vários moios. Quanto mais carregávamos mais ganhávamos.
A primeira…Lá vão duas…duas e mais uma três…
C.T- O que era um moio?
A.F- Eram dezoito canastras, mas em certos casos , como para venda , eram quinze.
C.T-Isso é estranho…
A.F-Era assim: aquele que andava a moiar (encher a canastra) enterrava os punhos na lama e fazia um risco na perna de cinco em cinco moios. Chamam-se a estes homens os punhos reais. Andavam 4 a 5 homens a encher as canastras e 30 ou 40 homens a correr para carregar. Tínhamos de ter muita atenção para conferir a contagem.
C.T-Enquanto trabalhavam, cantavam?
A.F- Tínhamos um processo que era parecido com uma cantilena: «a primeira…lá vão duas…duas e mais uma três…e vão quatro…aí vão cinco…» e assim por diante. Quando se chegava às dezoito canastras gritava-se: «Talha!» e recomeçava-se na primeira.
Revoltámo-nos!
C.T-Voltando atrás, como era isso de um moio umas vezes ser quinze e outras dezoito canastaras?
A.F-Era uma maneira ardilosa de os patrões ganharem mais. Diziam eles que durante a corrida o sal, devido ao movimento, ia caindo e que isto, no total, perfazia três canastras. No fundo, eles queriam era ter dezoito canastras e pagar quinze. Era exploração pura e simples.
C.T-E aceitaram sempre a situação?
A.F-Revoltámo-nos!
C.T-Conta-nos como foi?
A.F- Nada favorecia a troca de impressões entre os trabalhadores. Mas quando a injustiça se acentuou, começámos a falar entre nós e, pouco a pouco, começou a união. Fizemos paragens no trabalho. Foi então que os patrões, quando repararam que os operários tomaram consciência das suas condições e a actuar em conjunto, chamarama as forças policiais e a PIDE. Alguns de nós fomos levados para onde eles queriam.
C.T-Como é que faziam?
A.F-A PIDE chegava a Alcochete acompanhada do cabo da guarda e apanhavam um ao acaso, levavam-no para o posto e interrogavam-no. Alguns foram levados para o Aljube, outros ainda conseguiram fugir a tempo. Era o terror imposto pela polícia politica.
.T-Alguém liderava a revolta?
A.F- Não havia chefes. A fome e a exploração é que eram a «lebre» que todos seguiam. Não havia combinações prévias. Tudo era decidido no momento.
C.T- Quando é que foi a revolta?
A.F-Foi em 1957. Decorriam as festas do Barrete Verde, veio a PIDE…alcochetanos presos em plena festa…A PIDE à procura de salineiros e a festa a prosseguir…Foi uma vergonha que não esquecerei!
C.T-Duro… não foi?
A.F- Claro!...Quando não tínhamos trabalho no sal, íamos para a descarga do carvão, na Central de Belém, em carroças e camionetas. Por vezes, depois de virmos do carvão, não nos queriam dar trabalho no sal, era um castigo por não esperarmos, sem fazer nada. Uma represália por irmos para Belém, para a Central.
C.T-Como era em Belém
A.F- Dormíamos lá num barracão de zinco, na Matinha. Era um barraco onde 80 pessoas já eram demais, mas chegavam a ser 180 e sem nenhumas condições de higiene.
C.T- Lembra-se de algum episódio que queira contar?
A.F-As nossas histórias são comuns. Fazem parte do dia-a-dia do salineiro. Mas posso dizer-lhes que quando saímos da central arrasados e atrasados para apanhar o barco, corríamos para o eléctrico todos sujos porque não havia tempo para nos limparmos. Vínhamos todos negros do carvão e, no eléctrico, as pessoas olhavam-nos como se fossemos bichos…ou pior! Com alguma doença que se pegasse.
Clube de Teatro-Obrigado Sr. Aníbal por ter falado connosco.
Aníbal Figueiredo- Obrigado. E vocês, os de hoje, pensem que tempos houve, negros como o carvão e amargos como o sal, mas o pior de tudo é que eram tempos de exploração. Que não voltem a acontecer!
Rute (8º ano) Emídio (8º ano) Patrícia (8º ano) Olívia (9º ano) Sandra (10ª ano) Casimiro (11º ano) Entrevista realizada em 1993, na quinta do Ti Anibal, para o Jornal escolar O GIL