Maria José Soares Salvador

Maria José Soares Salvador

Mulheres a trabalhar numa marinha em Alcochete (Fotografia pertencente ao espólio do Museu Municipal de Alcochete e amavelmente digitalizada para o Jornal de Alcochete em 2008)

Mulheres a trabalhar numa marinha em Alcochete (Fotografia pertencente ao espólio do Museu Municipal de Alcochete e amavelmente digitalizada para o Jornal de Alcochete em 2008)

Mulheres a trabalhar numa marinha em Alcochete (Fotografia pertencente ao espólio do Museu Municipal de Alcochete e amavelmente digitalizada para o Jornal de Alcochete em 2008)

Mulheres a trabalhar numa marinha em Alcochete (Fotografia pertencente ao espólio do Museu Municipal de Alcochete e amavelmente digitalizada para o Jornal de Alcochete em 2008)

« Em 1976, na Marinha do Canto trabalhavam 12 mulheres» Foram estas as palavras de Maria José Soares Salvador ao Jornal de Alcochete

 Maria José Soares Salvador foi uma das 12 mulheres que trabalharam na Marinha do Canto, entre 1976 e 1982. Dividida entre o trabalho do campo e do sal, deixa-nos aqui o testemunho de 7 anos de trabalho na salicultura.

Jornal de Alcochete- Quantos anos tem, Maria Salvador?

Maria Salvador- 70 anos

J.A-Quando começou a trabalhar nas marinhas?

M.S-Comecei a trabalhar na Marinha do Canto em 1976. Essa marinha era do António João.

J.A-E as mulheres já trabalhavam nas marinhas antes dessa data?

M.S-O que eu sei é que as primeiras mulheres a trabalharem nas marinhas foram as mulheres da vila, a quem dávamos o nome de «alcochetanas». Sei que foi antes da data em que comecei a trabalhar, mas não lhe sei dizer exactamente o ano.

J.A-Também carregavam sal?

M.S-Não. As «alcochetanas», depois dos homens fazerem a deita, varriam os talhos, retiravam os restos de lama e colocavam-na em cima da baracha. Só faziam esse trabalho.

J.A- Quando é que realmente as mulheres começaram a trabalhar nas marinhas?

M.S- Não sei. Como já lhe disse era um trabalho de homens.

J.A- Então, se o trabalho das marinhas era um trabalho de homens, por que razão as mulheres começaram a trabalhar aí?

M.S- Não tenho a certeza, mas talvez tenha sido no fim dos anos 60, início dos anos 70, que foi necessário recorrer às mulheres do campo para o trabalho nas marinhas, porque havia falta de mão-de-obra. Eu comecei com 46 anos, mas antes de mim já outras mulheres trabalhavam nas marinhas.

J.A- Conte-nos como começou a trabalhar na Marinha do Canto.

M.S-Comecei a trabalhar em 1976. A Luísa Tomé, mulher do mestre da marinha disse-me assim, «não queres ir para as marinhas?» e eu disse «se calhar vou» e lá fui com ela durante 7 anos.

J.A- Quem vos contratava?

M.S Era o mestre da marinha, com a autorização do Encarregado Geral, que era o Ti Matias.

J.A-O que faziam as mulheres nas marinhas?

M.S-Primeiro carregávamos a lama. Fazíamos uns montinhos que eram colocados nas barachas e com uns carrinhos levávamos as lamas para os muros.

J.A- Rapavam o sal como os homens?

M.S- Fazíamos o trabalho que outrora só pertencia aos homens. Também rapávamos sal e também fazíamos os carregos.

J.A- Faziam os carregos com as canastras à cabeça?

M.S- Não. O transporte do sal era feito em carrinhos. Só na Marinha do Caracol é que as mulheres carregaram o sal em canastras, mas das pequenas. Isto porque as barachas eram moles e não suportavam o peso dos carrinhos cheios de sal. As rodas atolavam, por isso usavam as canastras.

J.A-Esses carregos eram feitos para os barcos?

M.S- Não. Só carregávamos o sal até à Serra. Estavam perto da Serra uns rapazes que nos ajudavam a transportar os carrinhos até ao tapete para onde se vazava o sal, que era encaminhado para o Serreiro que ajeitava o sal em cima da Serra.

J.A- Os carrinhos levavam quantos litros de sal?

M.S- Os carros levavam o peso que correspondia a duas canastras que os homens antigamente carregavam.

J.A- 120 litros de sal?!

M.S- Os homens sempre disseram que cada canastra levava cerca de 60 litros. Por isso, nós carregávamos o correspondente a duas canastras. Aliás, um moio, no nosso tempo, era 10 carrinhos. Pelas contas que eu cá estou a fazer( pensativa), nós carregávamos mais 4 canastras do que os homens.

J.A-Como?

M.S-Se um moio antigamente correspondia a 16 canastras, então nós carregaríamos, se fosse com as canastras, 20 canastras. Fique sabendo que nós carregávamos o nosso sal, o dos rapazes que ajudavam a empurrar o carrinho na prancha, o sal para o rapaz que estava a pôr o sal no tapete e o sal do serreiro que estava na serra. Trabalhávamos todos para o mesmo fim.

J.A – Era duro?

M.S- No Inverno, trabalhávamos no campo e, no Verão, nas marinhas. Tinha de ser para ganharmos a vida. Apesar do trabalho duro, foi nas marinhas que eu fiz os primeiros descontos para a Caixa da Previdência e para o Fundo de Desemprego. No campo, não havia nada disso.

J.A- Quanto ganhavam?

M.S- Tenho ainda comigo os recibos. Veja (mostra os recibos). Em 1976, eu ganhava, por dia, 180$00 e em 1982 ganhava 519$20.

J.A- Qual era o vosso horário de trabalho?

M.S – Trabalhávamos das 9h às 17 horas, mas quando trabalhávamos de empreitada, quanto mais depressa carregássemos o sal, mais depressa saíamos.

J.A- Quantas mulheres trabalhavam na Marinha do Canto?

M.S- Trabalhava eu, a Cidália, a Catarina e a Esméria; da Atalaia, a Adélia, a Beatriz e a Isabel; do Samouco, a Ti Nela, a Ti Russa, a Ti Jula , a Ti Salomé e a menina Rosalina e a Custódia alentejana.

J.A- Trabalhavam 12 mulheres?

M.S- Sim, mas nas marinhas de maior dimensão ainda trabalhavam mais mulheres.

J.A- Porque deixou de trabalhar na Marinha do Canto?

M.S- O trabalho na marinha estava muito incerto em 1982, já não se trabalhava com a mesma regularidade. Então, resolvi ir trabalhar para uma estufa. A marinha deixou de laborar um ano depois de eu ter saído.

Mulheres a trabalhar numa marinha em Alcochete (Fotografia pertencente ao espólio do Museu Municipal de Alcochete e amavelmente digitalizada para o Jornal de Alcochete em 2008)

Mulheres a trabalhar numa marinha em Alcochete (Fotografia pertencente ao espólio do Museu Municipal de Alcochete e amavelmente digitalizada para o Jornal de Alcochete em 2008)

Recibo amavelmente cedido por Maria Salvador com o valor que recebia por dia, na Marinha do Canto. A firma tinha sede em Lisboa  e chamava-se Sociedade Produtora de Sal, LDA. O valor do trabalho pago às mulheres, na Marinha do Canto, em 1976 era de 180$00 por dia  e em 1982 era de 519$20. O aumento acompanhou gradualmente a percentagem correspondente à evolução do Ordenado Mínimo Nacional em Portugal entre 1976 e 1982.

Recibo amavelmente cedido por Maria Salvador com o valor que recebia por dia, na Marinha do Canto. A firma tinha sede em Lisboa e chamava-se Sociedade Produtora de Sal, LDA. O valor do trabalho pago às mulheres, na Marinha do Canto, em 1976 era de 180$00 por dia e em 1982 era de 519$20. O aumento acompanhou gradualmente a percentagem correspondente à evolução do Ordenado Mínimo Nacional em Portugal entre 1976 e 1982.

Valor do trabalho pago às mulheres, por dia, na Marinha do Canto entre 1976 e 1982. O aumento acompanhou gradualmente a percentagem correspondente à evolução do Ordenado Mínimo Nacional em Portugal, entre as mesmas datas

Valor do trabalho pago às mulheres, por dia, na Marinha do Canto entre 1976 e 1982. O aumento acompanhou gradualmente a percentagem correspondente à evolução do Ordenado Mínimo Nacional em Portugal, entre as mesmas datas

Comentários mais recentes

01.09 | 14:24

Está foi segunda entrevista feita a um antigo salieneiro. A primeira entrevista foi feita em 1994 ao salineiro Anibal Figueiredo.Foi esta entrevista que me fez pesquisar sobre a luta destes salineiros

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