Trabalho de investigação jornalística de Carlos Soares
Maria José Soares Salvador foi uma das 12 mulheres que trabalharam na Marinha do Canto, entre 1976 e 1982. Dividida entre o trabalho do campo e do sal, deixa-nos aqui o testemunho de 7 anos de trabalho na salicultura.
Jornal de Alcochete- Quantos anos tem, Maria Salvador?
Maria Salvador- 70 anos
J.A-Quando começou a trabalhar nas marinhas?
M.S-Comecei a trabalhar na Marinha do Canto em 1976. Essa marinha era do António João.
J.A-E as mulheres já trabalhavam nas marinhas antes dessa data?
M.S-O que eu sei é que as primeiras mulheres a trabalharem nas marinhas foram as mulheres da vila, a quem dávamos o nome de «alcochetanas». Sei que foi antes da data em que comecei a trabalhar, mas não lhe sei dizer exactamente o ano.
J.A-Também carregavam sal?
M.S-Não. As «alcochetanas», depois dos homens fazerem a deita, varriam os talhos, retiravam os restos de lama e colocavam-na em cima da baracha. Só faziam esse trabalho.
J.A- Quando é que realmente as mulheres começaram a trabalhar nas marinhas?
M.S- Não sei. Como já lhe disse era um trabalho de homens.
J.A- Então, se o trabalho das marinhas era um trabalho de homens, por que razão as mulheres começaram a trabalhar aí?
M.S- Não tenho a certeza, mas talvez tenha sido no fim dos anos 60, início dos anos 70, que foi necessário recorrer às mulheres do campo para o trabalho nas marinhas, porque havia falta de mão-de-obra. Eu comecei com 46 anos, mas antes de mim já outras mulheres trabalhavam nas marinhas.
J.A- Conte-nos como começou a trabalhar na Marinha do Canto.
M.S-Comecei a trabalhar em 1976. A Luísa Tomé, mulher do mestre da marinha disse-me assim, «não queres ir para as marinhas?» e eu disse «se calhar vou» e lá fui com ela durante 7 anos.
J.A- Quem vos contratava?
M.S Era o mestre da marinha, com a autorização do Encarregado Geral, que era o Ti Matias.
J.A-O que faziam as mulheres nas marinhas?
M.S-Primeiro carregávamos a lama. Fazíamos uns montinhos que eram colocados nas barachas e com uns carrinhos levávamos as lamas para os muros.
J.A- Rapavam o sal como os homens?
M.S- Fazíamos o trabalho que outrora só pertencia aos homens. Também rapávamos sal e também fazíamos os carregos.
J.A- Faziam os carregos com as canastras à cabeça?
M.S- Não. O transporte do sal era feito em carrinhos. Só na Marinha do Caracol é que as mulheres carregaram o sal em canastras, mas das pequenas. Isto porque as barachas eram moles e não suportavam o peso dos carrinhos cheios de sal. As rodas atolavam, por isso usavam as canastras.
J.A-Esses carregos eram feitos para os barcos?
M.S- Não. Só carregávamos o sal até à Serra. Estavam perto da Serra uns rapazes que nos ajudavam a transportar os carrinhos até ao tapete para onde se vazava o sal, que era encaminhado para o Serreiro que ajeitava o sal em cima da Serra.
J.A- Os carrinhos levavam quantos litros de sal?
M.S- Os carros levavam o peso que correspondia a duas canastras que os homens antigamente carregavam.
J.A- 120 litros de sal?!
M.S- Os homens sempre disseram que cada canastra levava cerca de 60 litros. Por isso, nós carregávamos o correspondente a duas canastras. Aliás, um moio, no nosso tempo, era 10 carrinhos. Pelas contas que eu cá estou a fazer( pensativa), nós carregávamos mais 4 canastras do que os homens.
J.A-Como?
M.S-Se um moio antigamente correspondia a 16 canastras, então nós carregaríamos, se fosse com as canastras, 20 canastras. Fique sabendo que nós carregávamos o nosso sal, o dos rapazes que ajudavam a empurrar o carrinho na prancha, o sal para o rapaz que estava a pôr o sal no tapete e o sal do serreiro que estava na serra. Trabalhávamos todos para o mesmo fim.
J.A – Era duro?
M.S- No Inverno, trabalhávamos no campo e, no Verão, nas marinhas. Tinha de ser para ganharmos a vida. Apesar do trabalho duro, foi nas marinhas que eu fiz os primeiros descontos para a Caixa da Previdência e para o Fundo de Desemprego. No campo, não havia nada disso.
J.A- Quanto ganhavam?
M.S- Tenho ainda comigo os recibos. Veja (mostra os recibos). Em 1976, eu ganhava, por dia, 180$00 e em 1982 ganhava 519$20.
J.A- Qual era o vosso horário de trabalho?
M.S – Trabalhávamos das 9h às 17 horas, mas quando trabalhávamos de empreitada, quanto mais depressa carregássemos o sal, mais depressa saíamos.
J.A- Quantas mulheres trabalhavam na Marinha do Canto?
M.S- Trabalhava eu, a Cidália, a Catarina e a Esméria; da Atalaia, a Adélia, a Beatriz e a Isabel; do Samouco, a Ti Nela, a Ti Russa, a Ti Jula , a Ti Salomé e a menina Rosalina e a Custódia alentejana.
J.A- Trabalhavam 12 mulheres?
M.S- Sim, mas nas marinhas de maior dimensão ainda trabalhavam mais mulheres.
J.A- Porque deixou de trabalhar na Marinha do Canto?
M.S- O trabalho na marinha estava muito incerto em 1982, já não se trabalhava com a mesma regularidade. Então, resolvi ir trabalhar para uma estufa. A marinha deixou de laborar um ano depois de eu ter saído.
Recibo amavelmente cedido por Maria Salvador com o valor que recebia por dia, na Marinha do Canto. A firma tinha sede em Lisboa e chamava-se Sociedade Produtora de Sal, LDA. O valor do trabalho pago às mulheres, na Marinha do Canto, em 1976 era de 180$00 por dia e em 1982 era de 519$20. O aumento acompanhou gradualmente a percentagem correspondente à evolução do Ordenado Mínimo Nacional em Portugal entre 1976 e 1982.